Angola Pastiniana

Mestre Pastinha

A capoeira angola chamada de pastiniana, é a capoeira que segue os preceitos e ensinamentos de Vicente Ferreira Pastinha - o mestre Pastinha. Esta vertente surge a partir da década de 1940, em Salvador - BA, quando a velha guarda da capoeiragem baiana passa a se organizar politicamente para fortalecer a então chamada capoeira angola, já que a então criada capoeira regional vinha ganhando bastante prestígio perante a sociedade. 

Mestre Pastinha foi quem recebeu a incumbência  de "mestrar" a capoeira angola na época, através do Centro Esportivo de Capoeira Angola - CECA. A criação do centro foi uma articulação de vários mestres da velha guarda da capoeira angola, dentre eles mestre Aberrê e mestre Noronha. Pastinha então, cumpriu sua missão, e por quatro décadas esteve a frente do CECA, dando uma contribuição única ao desenvolvimento da capoeira no Brasil e no mundo. Criou uma capoeira angola de identidade muito própria, que influenciou gerações. É considerado como grande ícone da capoeira angola em todo  o mundo.

Após sua morte, em 1981, seus seguidores deram continuidade a seu trabalho: mestre João Grande, mestre João Pequeno, mestre Curió, mestre Moraes, mestre Cobra Mansa, mestre Jogo de Dentro e tantos outros...... 

Se aprofundando mais...

Trechos do texto: A capoeira e suas vertentes, de "Serena Capoeira" (Paola V. Franco):
Texto na íntegra


Mestre Pastinha e o Centro Esportivo de Capoeira Angola - CECA

Nascido em Salvador em 1889, mestre Pastinha aprendeu capoeira aos oito anos de idade com um ex-escravo octogenário chamado Benedito. Conta mestre Pastinha que aprendeu capoeira no intuito de livrar-se de um rival. À época, Pastinha era importunado por outro menino, e sempre levava a pior, ou seja, brigava e apanhava. Porém, havia um senhor que vira os meninos brigarem, por várias vezes seguidas e certa vez convidou Pastinha a aprender uma luta da qual ele nuca mais seria incomodado pelo menino. Dito e feito. Pastinha aprendeu alguns golpes e esquivas da capoeira, e não apanhou mais do menino, que parou de incomodá-lo.

Aos 12 anos de idade, em 1902, Pastinha ingressou na escola de aprendizes da Marinha, onde começou a ensinar capoeira para os colegas, onde lecionou até 1909. Como ele mesmo afirma, posteriormente lecionou na Rua Santa Izabel, de 1910 a 1912. Algumas fontes não mencionam a saída de mestre Pastinha da capoeira, e inclusive afirmam que o mesmo deu aulas em 1922.

Seus alunos eram artesãos em diversos ofícios. Pastinha afirma que ensinou a muitos estudantes de Direito, Farmácia, Medicina, de quase todas as profissões. Com isso observa-se a introdução paulatina no mundo da capoeira de pessoas provenientes das classes médias e abastadas de Salvador, na figura dos estudantes universitários, fato que também ocorreu na academia de mestre Bimba.

Mas é a partir de 1941, quando Pastinha é convidado a mestrar a capoeira angola, que sua história passará a ter destaque. Como foi mencionado anteriormente, os capoeiristas da velha guarda baiana entregam a Pastinha a incumbência de tomar a frente do Centro Esportivo de Capoeira Angola, no Pelourinho, nº 19, na cidade de Salvador. A partir deste período, a história da capoeira passa a ter novos rumos.

Da mesma forma que mestre Bimba regrou sua capoeira regional, com um método de ensino bastante organizado e com uma identidade própria, também mestre Pastinha imprime uma forte identidade a seu trabalho no CECA. Ele impõe um método se ensino também baseado em seqüências, uniformiza seus alunos de acordo com as cores de seu time de futebol (Ypiranga Futebol Clube), e ao contrário de mestre Bimba, que dá ênfase ao aspecto marcial da capoeira, Pastinha enfatiza o lúdico, a capoeira enquanto esporte, jogo e brincadeira. 

Aos poucos, o CECA passa a representar não a capoeiragem antiga dos mestres Maré, Aberrê, Samuel Querido de Deus e outros, mas sim a capoeira muito própria de mestre Pastinha. Isso se deu de forma natural, inevitavelmente, já que era o mestre quem estava à frente do centro. Porém, como mestre Pastinha era bastante influente na época, muitos intelectuais e artistas fizeram dele o representante da capoeira angola na Bahia. O pintor Hector Carybé e o escritor Jorge Amado são exemplos disso. Desta forma, a capoeira angola passa a ser vista como a capoeira que mestre Pastinha instituiu, devido seu trabalho como protagonista no Centro Esportivo de Capoeira Angola.

O CECA tem seu auge entre as décadas de 1950 e 1960. No final da década de 1970, mestre Pastinha é forçado a fechar o centro, pois o prédio que ocupava era público. Fechou, com a promessa de que o mesmo seria reaberto e passaria por reformas. Porém a promessa nunca foi cumprida e o espaço reabriu com o funcionamento de um restaurante. Mestre Pastinha já estava com sérios problemas de visão no período e terminou a vida cego, pobre, em um quarto cedido pelo governo de Salvador, sozinho e sem alunos, cuidado apenas por sua esposa. Ele morre em 1981.

Durante todo período que vigoraram os mestres Bimba e Pastinha, sempre houve forte dicotomia entre as suas capoeiras. Essa diferenciação entre a angola e a regional, era bastante acentuada, sendo Pastinha o representante da capoeira legítima africana, mantenedor da tradição e mestre Bimba, o responsável pela modernização e descaracterização da mesma. Assim era como a sociedade em geral via este movimento, e tal divisão se dava não só entre os praticantes, mas aparecia em diversos jornais do período.



A Capoeira Em Fins Do Século Xx – Novas Vertentes, Novas Dicotomias



Mestre Bimba e mestre Pastinha, assim como os mestres “esquecidos” do passado, Aberrê, Samuel Querido de Deus, Noronha, Maré, Pierrot e Nilton, dentre outros, foram agentes fundamentais para o desenvolvimento da capoeira da atualidade. E foi após a morte de mestre Bimba e mestre Pastinha - entre as décadas de setenta e oitenta - que a capoeira iniciou uma fase de grande expansão no Brasil e no exterior. Este processo começou lentamente ainda nos anos 1950 e 1960, quando mestres baianos, discípulos destes dois mestres e também outros como Paizinho, Canjiquinha e Valdemar, trocaram a Bahia por São Paulo e Rio de Janeiro em busca de uma vida melhor. Nomes como Ananias Ferreira e Suassuna foram responsáveis pelo início de uma grande expansão da capoeira angola e regional pelo país.

No caso da capoeira angola, após a morte de Pastinha esta atravessou uma fase ruim. A defesa das “tradições” da capoeira angola, iniciada pelo mestre, sofreria uma decadência por um momento, porém não muito, graças ao surgimento de movimentos de “resgate” das “tradições”, iniciado pelos mestres Moraes e Cobra mansa, na década de 1980.

No caso da regional, ocorre também um movimento que a fortifica, porém em moldes diferenciados. É a capoeira que passa a ser conhecida como capoeira contemporânea. Embora alguns alunos de mestre Bimba tenham dado segmento à tradição da Regional, é a capoeira contemporânea, nascida no Rio de Janeiro, quem vai “roubar” o cenário e ganhar destaque como “capoeira regional” a partir da década de 1980, e terminará por se propagar de forma muito rápida e contagiante pelo Brasil e pelo mundo.



Mestre Moraes e a chamada “escola pastiniana”

  É, portanto após a morte de mestre Pastinha que vem ter início o trabalho de resgate e valorização da capoeira angola propagada pelo mestre assim como a de outros angoleiros da época. É, então em fins do século XX, mais exatamente na década de 80, que vem surgir o movimento que atualmente é conhecido como “escola pastiniana” ou capoeira angola ‘tradicional’.

            Mestre Moraes (Pedro Moraes Trindade), foi um grande articulador da capoeira angola nesse contexto. Junto com seu discípulo, mestre Cobrinha Mansa (Cinésio Feliciano Peçanha), reuniram velhos mestres e criaram uma escola de capoeira disposta a não deixar morrer o estilo de capoeira que eles consideravam como “tradicional”, que seria a modalidade angola.

            Moraes aprendeu capoeira com mestre João Grande e fundou em 1980 o Grupo de Capoeira Angola Pelourinho - GCAP. Mestre Moraes desenvolvia seu trabalho no Rio de Janeiro, onde permaneceu entre 1970 e 1982. Com a morte de Pastinha em 1981, decidiu voltar para Salvador e preocupado em “preservar” e valorizar uma arte quase em extinção, Moraes mergulhou nos estudos sobre a capoeira angola. Estes dois mestres - Moraes e Cobra Mansa, construíram um discurso político em torno da capoeira angola, vinculando-a a uma tomada de consciência acerca de questões étnicas e sócio-econômicas. Para eles, a capoeira angola seria uma manifestação de resistência de uma classe dominada em relação à imposição de uma cultura de classe dominante. Moraes e Cobra Mansa levaram a capoeira angola para os Estados Unidos e trabalharam para a valorização de velhos mestres que estavam sendo esquecidos no Brasil. Uma das primeiras ações de Moraes ao retornar a Salvador foi organizar eventos com a participação de mestres ainda em atividade como João Pequeno, Paulo dos Anjos, Virgílio (discípulo de mestre Valdemar) e Curió assim como João Grande, que mestre Moraes diz ter encontrado trabalhando como frentista em um posto de gasolina em Salvador.

A capoeira angola pastiniana ou tradicional é composta atualmente por diferentes grupos de capoeira, sendo que todos têm como característica comum, a reivindicação do pertencimento à linhagem de mestre Pastinha e a critica à “descaracterização” da capoeira regional, criada por mestre Bimba e acentuada a partir da capoeira contemporânea. Estas idéias se difundiram primeiramente entre as décadas de 40 e 70 pelo próprio mestre Pastinha e posteriormente a partir dos anos 80, por mestre Moraes. Atualmente existem vários grupos de capoeira que se denominam “tradicionais pela escola de mestre Pastinha”, e detentores da “pureza da capoeira.

Rosangela Costa Araújo, a mestra Janja, do grupo Nzinga e iniciada na capoeira no grupo GCAP, descreve os fundamentos desta escola de capoeira, em sua tese de doutorado em educação. Seu estudo apresenta a capoeira angola proposta pela escola pastiniana como uma “práxis educativa fundada na ancestralidade, na oralidade a na comunidade”.  Estes três pilares a que se refere apontam os “princípios de pertencimento à dinâmica das tradições africanas no Brasil, dialogando sobre a resistência negra e sua permanência nos fazeres educacionais”. Araújo afirma que “a capoeira angola se fortalece pela relação de fidelidade de seus praticantes aos fundamentos das suas bases ancestrais”. A ancestralidade a que se refere, remete a mestre Pastinha e seus ensinamentos e reflexões, sendo esta a matriz de uma descendência. A oralidade é tida como a principal via de condução do conhecimento, pela valorização da escola à uma técnica de educação tradicional africana. E, por fim, comunidade se refere a grupos formados por um ou mais líderes que partilham os mesmos códigos de pertencimento e símbolos de identidade.

            A questão da identidade é algo muito forte entre os praticantes de capoeira da escola pastiniana. Nos diversos grupos e contextos geográficos em que estes se inserem, é fácil distingui-los de capoeiristas de outras modalidades. Em geral tais grupos permanecem unidos sob uma mesma tradição, obedecendo a uma mesma forma de entender os fundamentos, as formas de cantar, tocar os instrumentos e de usar os mesmos uniformes (em geral calça social com cinto, camiseta - que deve sempre estar por dentro da calça-, e sapato fechado). Essa mesma forma sempre estará remetendo ao velho mestre Pastinha. Mais que isso, a identidade se fortifica a partir da negação à identidade da capoeira regional e contemporânea, sendo freqüentes afirmações no sentido de que “só angola” é a capoeira “verdadeira”.














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